Da terra dos
eletrônicos, computadores e carros de alta qualidade, surgem novas
oportunidades para o whisky
A história do whisky no
Japão adquiriu o brilho de uma lenda de folclore. A chegada de spirits
ocidentais no final do século XIX na forma de uma caixa de Old Parr trazida em
1872 pela missão de comércio de Iwakura; a subsequente criação da imitação de
spirits estrangeiros em laboratórios japoneses; a fundação da Kotobukiya pelo
jovem Shinjiro Tori em 1899; o envio de um jovem estudante de química, Masataka
Taketsuro, para Glasgow para estudar química em 1918; a sedução de Taketsuro
pela Escócia, seu trabalho como aprendiz na Hazelburn e na Longmorn; sua
contratação por Tori-san, que na época selecionava pessoal para a primeira
destilaria do Japão dedicada ao whisky em Yamazaki, em 1923; como eles
trabalharam juntos e, então, se separaram: Tori fundando a Suntory, Taketsuro
fundando a Nikka, que permanecem como os dois pilares da fabricação de whisky no
Japão.
Há um pressuposto de
que, pelo fato de os japoneses terem aderido ao modelo escocês de fabricação de
whisky, o whisky deles é uma cópia. Nada poderia estar mais longe da verdade.
Desde o início o objetivo foi o de criar um estilo japonês, que é precisamente
o que aconteceu. Também se acredita amplamente que esses são whiskies
tecnológicos, feitos em laboratório, desconectados da terra. Mais uma vez, uma
crença totalmente equivocada.
O whisky japonês inscreve-se essencialmente na tradição do whisky
escocês. As técnicas de produção são praticamente as mesmas e as destilarias
japonesas importam maltes da Escócia para as misturas dos seus blends. Mas
progressivamente os whiskies japoneses obtiveram a sua própria personalidade,
graças à qualidade e à pureza das águas, à presença da turfa no solo de
Hokkaido, à alta tecnologia utilizada e à competência humana de alto nível.
Este whisky distingue-se pelo sabor limpo e maltado. Na boca é suave e tem um
defumado sutil e um certo corpo. Os japoneses saboreiam o whisky juntando-lhe
muita água.
O surgimento da
indústria japonesa foi consequência do interesse em single malts e da pureza de
sabor do whisky japonês. A arte japonesa da destilaria está voltada para a
qualidade da produção. As minúcias da produção de whisky, a água, a cevada, os
tipos de levedo, o mashing, a fermentação, a destilação e a maturação em
diferentes carvalhos, foram investigadas a fundo pelos japoneses. Isso permite
às empresas produzir ampla gama de sabores de single malt em uma só destilaria,
o que afasta o single malt japonês do modelo escocês. A maior parte dos single
malts japoneses produzidos hoje é de blends de malts da mesma destilaria, mas
com diferentes sabores.
O whisky japonês não é
necessariamente mais leve, mas possui uma clareza de aroma que o destaca. A
ausência de uma nota ao fundo de cereal também o diferencia do Scotch, como também
o uso do carvalho japonês intensamente aromático. Se o single malt escocês é um
riacho correndo pela montanha, com todos os sabores disputando uma posição, o
malte japonês é uma lagoa límpida onde tudo é revelado.
Partindo do princípio
de que as terras mais apropriadas para destilados ficam em países mais frios do
norte, o Japão está no lugar certo. Sua ilha mais setentrional, Hokkaido, é
muitas vezes comparada com a Escócia. As paisagens de Hokkaido são muito
semelhantes às das Terras Altas escocesas, com reservas de turfa, montanhas e
riachos de água fria e pura que correm por rochas de granito. Mas as primeiras
tentativas de fabricação de whisky frustraram os japoneses. Não importava que
ervas e especiarias usassem, não conseguiam produzir os aromas e sabores
autênticos.
O homem que desvendou o
segredo do autêntico whisky escocês foi Masataka Taketsuro, o filho de 25 anos
de uma família produtora de saquê. Ele frequentou a Universidade de Glasgow e
trabalhou por um curto período na destilaria Hazelburn, em Campbeltown, e na
Longmorn, em Speyside.
Masataka Taketsuro |
Masataka Taketsuro ajudou a Suntory a estabelecer sua primeira destilaria de whisky e,
depois, seguiu adiante para criar sua
própria destilaria: a Nikka, em Yoichi.
Tudo começa em 1907, quando Shinjiro Tori, jovem empresário de Osaka,
começou a produzir um tipo de vinho. Consta que ele armazenou álcool utilizado
na produção dentro de um barril de vinho – e esqueceu. Alguns anos depois, para
descobrir o que era aquele líquido, ele provou e acabou percebendo os efeitos
do envelhecimento na bebida.
Depois desse episódio, Tori propôs que sua empresa (agora chamada
Kotobukiya) fabricasse whisky. A diretoria foi contra, alegando ser impossível
fabricar whisky de verdade fora da Escócia ou Irlanda e que a construção de uma
destilaria seria muito cara.
Mesmo assim, Tori pesquisou um local no Japão que reunisse as melhores
condições ambientais para a fabricação do whisky. Em 1923, foi construída a
destilaria Yamazaki nos arredores de Kyoto, cuja água pura foi considerada
determinante para o êxito do projeto. Para completar, Tori contratou Masataka
Taketsuru, especialista em whisky que estudara na Escócia.
Shinjiro Tori |
Após
ser contratado por Tori, Taketsuru cuidou de toda a produção. No país, não
havia uma fabrica que fabricasse o alambique. Então ele mesmo construiu. Mas,
embora Tori tenha dado carta branca à Taketsuru na produção, não via resultado
imediato e, gentilmente, pediu para dar uma certa acelerada, pois gastava-se
muito e os produtos não ficavam prontos. Na verdade Taketsuru estava maturando
a bebida.
Finalmente,
em 1929, foi lançado o primeiro Whisky Japonês, o Yamazaki Shirofuda (ou White
Label), um blend do malte da cidade de Yamazaki e destilado de grãos de
Osaka. Porém, para os nipônicos acostumados à bebida fermentada de arroz, o
novo destilado não agradava. Tori questiona se Taketsuru não havia levado muito
à risca o processo de preparo na Escócia. Lembrou que ele estava no Japão e de
nada adiantaria se não vendesse.
No
mesmo ano, Tori resolve comprar uma fabrica de cervejas de Yokohama e ordenou
Taketsuru a assumir a fábrica. Devido à distância e ter de começar a aprender
uma nova bebida, não se sentiu à vontade para obedecer.
Em 1933 sem consultar ninguém,
Tori vende a fábrica de cerveja por preço muito alto ao da compra, o que irrita
Taketsuru por não ser consultado. A partir daí, ele começa a desconfiar das
atitudes de Tori. Discutiram também sobre a área de produção dos whiskies.
Taketsuru preferia produzir em Hokkaido norte do Japão, mas Tori era contra,
devido ao alto custo da logística e querer que o público viesse visitar a
fábrica. Além disso, possuíam uma divergência de estilos:
enquanto Taketsuro preferia um estilo mais pesado, como o de um escocês
turfado, Tori continuou com um estilo mais leve de whisky.
No
ano seguinte, março de 1934, Taketsuru, que treinou o filho mais velho de Tori,
depois de cumprir o acordo de permanência de no mínimo 10 anos, partiu do
Kotobukiyá rumo à Hokkaido e fundou a Destilaria Yoichi em menção ao nome da
cidade. Mais tarde mudaria o nome da empresa para Nikka que sustenta até os
dias de hoje.
Durante a eterna briga dos dois, timidamente, surgiam outras
destilarias como o Hombu em Kagoshima (sul do Japão), Karuizawa em Niigata, e
Takara, em Fukushima.
Em 1963, Keizo Saji, filho de Tori, assumiu a presidência da
Kotobukiyá e trocou o nome para Suntory, que é a soma de Sun = Sol e Tori, o sobrenome do fundador. Sun Tori =
Suntory.
Em 1973, surgiram a Gotemba, criada pela Kirin/Seagram, e a
Hakushu, maior destilaria de malte do mundo nos anos 80. A expansão das destilarias japonesas
foi tão grande, que para garantir os suprimentos de Scotch para misturar nos
blends nipônicos, a Nikka comprou a Ben Nevis na Escócia e a Takara absorveu a
Tomatin, então maior destilaria de single malt da Escócia. A Suntory não ficou
atrás, comprou Bowmore,
Auchentoshan e Glen Garioch, na Escócia, e recentemente a Jim Beam, nos EUA.
Curiosidade:
diferentemente das destilarias na Escócia, as japonesas não trocam whiskies
para a confecção de seus blends. Cada uma produz uma gama de whiskies com esse
fim. A maior parte da produção vai para o mercado interno, e apenas cerca de 3%
são exportados para os países do pacífico.
Tive a oportunidade de
participar de uma degustação de whiskies japoneses em Campinas-SP em julho
passado. Tenho de admitir que eles não devem em nada a seus inspiradores, os
escoceses. Ótima qualidade, bem feito, bem acabado. E as garrafas parecem uma
obra de arte. Quem ainda não experimentou, experimente. O único inconveniente
ainda é o preço. O Japão possui uma política severa quanto à produção de
bebidas alcoólicas, os impostos são altíssimos. Some-se a isto o fato de o
Japão estar “do outro lado do mundo”, os custos com transporte também são
elevados. Chegando ao Brasil, adivinhem: mais impostos e o lucro do importador.
Tirando fora estes detalhes, o whisky japonês está num patamar elevado. Vale a
pena.
Fontes: o atlas mundial
do whisky; whisky; o livro do whisky; whisky de a a y; hashitag.com.br;
cladowhisky.com.br; adegadesake.com.br
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